Este homem genial, uma dás figuras mais proeminentes que surgiram nos albores da Renascença, nasceu em Einsiedein no dia 10 de novembro de 1 493. Na pia batismal recebeu o nome de Teofrasto, em memória do pensador grego Teofrasto Tírtamo, de Éreso, por quem o doutor Hohenheim, pai do nosso biografado, nutria profunda admiração.
O nome de Felipe lhe foi acrescentado, sem dúvida, posteriormente, pois é certo que Paracelso jamais fez uso do mesmo; a alcunha de Aureolus deve ter sido dada por seus admiradores nos últimos anos de sua vida, de vez que até 1 538 não o encontramos em nenhum documento relacionado com sua pessoa. Quanto ao nome famoso de Paracelso, existe a opinião de que o mesmo foi dado por seu pai quando ainda jovem, querendo com isto demonstrar que na ocasião já era mais sábio do que Celso, médico célebre contemporâneo do imperador Augusto e autor de um livro de medicina muito mais avançado de quantos havia em sua época.
Já a partir do ano de 1 510 ficou conhecido pelo nome de Paracelso e, embora muito raramente o incluísse em sua assinatura, é certo que o estampou em suas grandes obras filosóficas e religiosas; do mesmo modo seus discípulos o chamavam de Paracelso, nome que sempre apareceu nas controvérsias e nos ataques injuriosos de que foi vítima.
INFÂNCIA DE PARACELSO
Paracelso era uma criança baixinha, doentia e com tendência ao raquitismo, razão por que exigia os cuidados mais esmerados, que lhe eram dispensados pelo seu próprio pai, que nutria por ele uma afeição muito grande. O Dr. Hohenheim atribuía uma importância extraordinária aos efeitos salutares do ar livre respirado em plena natureza; por isso, quando o rapaz estava já crescido, fez dele seu companheiro de excursões, conseguindo desta maneira robustecer-Ihe o corpo e enriquecer-lhe o espírito.
Foi nessas andanças que Paracelso aprendeu os nomes e as virtudes das ervas e plantas medicinais bem como os diversos modos de usá-las; conheceu os venenos e seus antídotos da mesma forma que a arte de preparar toda espécie de poções medicinais.
Nessa época, na Europa a Farmácia não era ainda reconhecida, ao contrário do que se dava na China, no Egito, na Judéia e na Grécia, milhares de anos antes da era cristã. Com efeito, a primeira farmacopéia pertence a Nuremberga e data de 1 542, o ano seguinte à morte de Paracelso. Por conseguinte, pode-se afirmar que a maioria das ervas medicinais, que se receitam em nossos dias, já era conhecida na Idade Média e os religiosos as cultivavam com todo cuidado e ciosamente nos jardins dos seus conventos; é por isso que foram conservados até hoje alguns conhecimentos a respeito dos seus usos.
Nas pradarias e bosques próximos ao Rio Sihl, onde existem pântanos em grande quantidade, as sucessivas estações fazem florescer e frutificar grande número de plantas. Nos prados crescem a gerenciana, a margarida, a salva, a anêmona, a camomila, a borragem, a angélica, o funcho, o cominho e a dormideira. Nos bosques abundam as celgas, a aspérula, a beladona, a datura, a violeta e as gramíneas silvestres. Nas ribanceiras, nos declives das grandes elevações de terreno e pelas estradas se encontram a campânula, a dedaleira, a chicória, a centáurea, a verônica, a menta, o tomilho, a verbena, a salsaparrilha, os líquenes, a erva-de-são-joáo, a tormentilha, a tanchagem e a aveleira silvestre. Nos terrenos lodosos colhem-se as prímulas com manchas de cor malva e violeta, os miosótis, as plantas vulnerárias, os fetos e o rabo-de-cavalo. E nos paramos, a urze, a rosa-dos-alpes, a garança-do-levante, a saxífraga, a luzerna, a pírola e toda espécie de sementes.
Das próprias memórias de Paracelso se deduz que seu pai foi seu primeiro mestre de latim, de botânica, de alquimia, de medicina, de cirurgia e de teologia; mas nele atuaram outras influências de educação, que o doutor Hohenheim não pôde infundir. Estas influências foram devidas ao espírito irrequieto da época, da nova era que estava sendo preparada.
Cumpre-nos verificar, agora, como foi que esta manifestação de sua época teve relação com o audaz investigador da Natureza e da Medicina, entre a multidão que continuava apegada ferrenhamente aos métodos filosóficos e às crenças religiosas da Idade Média; cumpre-nos ver como foi que sua inteligência vivaz compreendeu que os velhos ensinamentos estavam fadados a desaparecer e a passar por uma renovação, como todas as demais coisas.
Indiscutivelmente, foi o espírito da Renascença que deu a Paracelso o grande impulso rumo à indução científica e ao método experimental. O encontro deste espírito científico com as correntes espirituais da Reforma, com sua influência sobre a alma dos homens, graças realmente a Lutero, nos fornecerá a explicação da formação de sua personalidade, aparentemente contraditória.
As teorias em voga vinham sendo propagadas ativamente já muito tempo antes de Lutero. Duzentos e cincoen-ta anos antes uma alma solitária, Rogério Bacon, teve uma visão que iluminou as trevas acumuladas por quinze séculos de ignorância e descobriu a chave do divino tesouro da Natureza.
Em 1 483 nasceu Lutero; dez anos depois, Paracelso; em 1 510 veio à luz o famoso médico e filósofo milanês, Jerônimo Cardano, e em 1 517 nascia o celebérrimo cirurgião Ambrósio Pare. Copérnico, o astrônomo revolucionário, e Pico de Ia Mirándola, foram contemporâneos desta plêiade ilustre. Tudo eclodiu de uma só vez; nova concepção religiosa, nova filosofia, novas ciências, a par de uma grande renovação no mundo da arte.
INICIAÇÃO DE PARACELSO
Ainda muito jovem, Paracelso foi enviado à famosa escola dos beneditinos do mosteiro de Santo André, no Lavantal, a fim de lhe ser ministrada a instrução religiosa. Foi aqui que ele se tornou amigo do bispo Eberhard Baum-gartner, que era considerado um dos alquimistas mais notáveis de seu tempo. Tamanho foi o ardor com que Paracelso se dedicou aos seus trabalhos de laboratório, tanta a sua força de observação nos fenômenos que estudava, que imediatamente se viu em condições insuperáveis para começar a executar um trabalho que se antecipava ao seu século. Além disso, teve a dita de contar com o clima da Caríntia que favoreceu grandemente seu desenvolvimento físico, logrando com isto desfrutar duma saúde quase perfeita.
Logo depois transferiu-se Paracelso para Basiléia, onde fez grandes progressos no estudo das Ciências Ocultas. Naqueles tempos era impossível dedicar-se à medicina sem conhecer profundamente a astrologia. A ciência experimental estava ainda por nascer. Todos os conhecimentos que se adquiriam nos colégios ou conventos eram puramente dogmáticos: seus ensinamentos eram conservados respeitosamente durante muitos séculos.
O misticismo e a magia conviviam com as teorias mais antagônicas e os homens mais célebres lhes rendiam homenagem. William Howitt, um médico notável, escreveu as seguintes palavras: "O verdadeiro misticismo consiste na relação direta entre a inteligência humana e a de Deus. O falso misticismo não procura a verdadeira comunhão entre Deus e o homem. O espírito absorto em Deus está protegido contra todo ataque. A mente que repousa em Deus aclara a inteligência".
Este foi o misticismo que Paracelso se esforçou por adquirir: a união de sua alma com o Espírito Divino, a fim de poder conceber o funcionamento deste Espírito Universal dentro da Natureza.
Quando partiu para Basiléia já tinha adquirido a prática das operações cirúrgicas, ajudando seu pai no tratamento de feridos. Em seus Livros e Escritos de Cirurgia nos relata que teve os melhores mestres em dita ciência e que havia lido e meditado os textos dos homens mais célebres, tanto da atualidade como do passado.
Pouco se sabe da estadia de Paracelso em Basiléia; consta unicamente que sua passagem por lá se deu em 1 510. Na ocasião a Universidade era dirigida pelos escolásticos e pedantes da época.
Paracelso percebeu subitamente que nada sairia ganhando com os ensinamentos estúpidos daqueles doutores. "O pó e as cinzas respeitados por estes espíritos estéreis" - escreve ele — "haviam-se preparado e transformado em matéria importante".
Paracelso renunciou altaneiramente a terçar armas numa luta com aqueles sábios, guardiães petrificados da ciência oficial. O que ele queria era a verdade e não a pedanteria; a ordem e não a confusão; a experiência científica e não o empirismo.
Segundo sua própria declaração pública, Paracelso lera as obras manuscritas do abade Tritêmio, que figuravam na valiosa biblioteca de seu pai, e tão embevecido se sentiu por elas que resolveu transferir-se para Würzburg, lugar onde o sábio abade se mantinha em contato com seus discípulos.
Tritêmio ou Tritemius — era assim que se chamava esse abade, por causa do lugar de seu nascimento, que foi Treitenheim, perto de Trier. Mas seu verdadeiro nome era João Heindemberg. Quando ainda muito jovem já era célebre por sua sabedoria; com a idade de vinte e um anos foi eleito abade de Sponheim. Em 1 506 foi designado para o convento de São Jaime, perto de Würzburg, onde morreu em dezembro de 1516.
Afirmava ele que as forças, secretas da Natureza estavam confiadas a seres espirituais. Grande era o número de seus discípulos e os que julgava dignos, admitia-os em seu laboratório, onde se manipulava toda espécie de experiências de alquimia e de magia.
Conforme dissemos, Paracelso empreendeu sua grande viagem a Würzburg. Na ocasião estava algo mais robusto, embora sua compleição continuasse franzina. Quando se fixou na referida cidade, o abade Tritêmio era considerado um bruxo perigoso pela gente ignorante. Penetrara ele certos mistérios da Natureza e do mundo espiritual; deu casualmente com alguns fenômenos raros que hoje em dia chamamos de magnetismo e telepatia.
Em certas experiências psíquicas obteve êxitos surpreendentes; talvez tenha sido ele o primeiro que nos falou da transmissão do pensamento à distância. Devem-se a ele os primeiros ensaios da criptografia ou escrita secreta. Era também um grande conhecedor da Cabala, por meio da qual fornecera profundas interpretações das passagens proféticas e místicas da Bíblia. Por isso colocava as Sagradas Escrituras acima de todos os estudos; seus alunos tinham que dedicar-lhes toda sua atenção e todo seu amor.
Com isto, Paracelso ficou influído por todo o resto de sua vida, de vez que o estudo da Bíblia constituiu posteriormente uma das tarefas que o ocuparam com mais intensidade. Em seus escritos encontramos o testemunho do seu conhecimento perfeito da linguagem e do profundo significado esotérico do Magno Livro.
Embora seja fato inconteste que estudou as Ciências Ocultas com o abade Tritêmio, chegando a conhecer as forças misteriosas do mundo visível e invisível, não é menos certo que abandonou de repente certas práticas mágicas, por julgá-las indignas e contrárias à divina vontade. Tinha aversão, sobretudo, à necromancia praticada por homens pouco escrupulosos, convencido de que por meio dela só se atraíam forças maléficas. Recusou, igualmente, todo ganho pessoal que pudesse auferir do exercício da magia, pois esta, segundo pensamento dele, só era permitida quando visasse curar desinteressadamente ou fazer outro bem qualquer a nossos semelhantes.
Foi com este intuito que se lançou às investigações e experiências de magia divina. Discernia perfeitamente o alimento mental e espiritual daquele que era impróprio e enganoso, para conseguir a união de sua alma com a divindade.
Curar os homens conforme Cristo fizera — nisto consistia todo o seu desejo ardente. E quem sabe se a própria comunhão com o Senhor não o credenciaria com este poder sublime? Entrementes, recebia de Deus a graça de saber procurar e encontrar todos os meios de cura com os quais o Criador provera a Natureza.
PARACELSO, MÉDICO E ALQÜIMISTA
Como dissemos anteriormente, Paracelso entregou-se com um ardor e entusiasmo sem limites ao estudo profundo da Alquimia. "A Alquimia" — diz nosso biografado — "não visa exclusivamente obter a pedra filosofal; a finalidade da Ciência Hermética consiste em produzir essências soberanas e empregá-las devidamente na cura das doenças".
Contudo, não pôde fugir à preocupação dominante da época e durante algum tempo se ocupou também daquelas práticas alquímicas que ensinam a transformar em ouro os metais "impuros".
De acordo com alguns autores, saiu triunfante em seu magno cometimento e, depois que satisfez a sua curiosidade, não prosseguiu em sua obra, pois outro fim não perseguia senão a evidência de certas doutrinas, para poder falar delas com plena convicção, condição que ele acreditava, com toda certeza, indispensável.
Ao falarem dele como alquimista, os biógrafos de Paracelso colocam-no na categoria mais elevada. Todos afirmam unanimemente que era dotado de um poder escrutinador que lhe permitia penetrar o próprio espírito das coisas da Natureza.
Peter Romus escreve: "Paracelso penetra os recônditos mais profundos da Natureza, explora-os e, através de suas formas, sabe ver a influência dos metais, com uma penetração tão sagaz, que chega a extrair deles novos remédios".
Melchor Adam, um dos biógrafos de Paracelso que mais estudou sua personalidade do ponto de vista científico, declarou: "No que se refere à filosofia hermética, tão árdua e tão misteriosa, ninguém o igualou".
Abandonou ou, para nos expressarmos melhor, rejeitou o estudo da Crisopéia ou seja a arte de "fazer ouro", porque isto repugnava a seu espírito nobre e desinteressado; mas, aproveitou grande número de práticas alquímicas que, a seu critério, podiam ser desenvolvidas e aplicadas à Medicina. Estava convencido de que quase todos os minerais submetidos à análise podiam revelar-nos grandes segredos curativos e vivificantes e levar a novas combinações perfeitamente eficazes para certas doenças mentais ou físicas. Como base própria da divina criação, observou com atenção que toda substância dotada da vida orgânica, embora aparentemente inerte, encerrava grande variedade de potência curativa.
Ao contrário do que faziam seus contemporâneos, não qualificava de divina a Alquimia, cujo único objetivo era fabricar ouro. Para ele, os fogos do fornilho crisopéico tinham outras grandes utilidades e aqueles que atuavam sob a divina intuição logo se transformavam em fogos purificadores em benefício da humanidade.
Vejamos, agora, algo sobre a bibliografia de Paracelso, que foi muito vasta. Hoje em dia são pagos a peso de ouro os livros deste homem genial, principalmente suas primeiras edições. Todas as suas obras originais foram diversas vezes reeditadas e traduzidas, por sua vez, em todos os idiomas cultos. Não pretendemos,.pois, nem sequer fazer um resumo de sua prolixa produção; limitar-nos-emos a citar algumas das obras menos conhecidas:
Opera Omnia Medico-Chirurgica tribus voluminibus comprehensa. Genebra, 1 658. Três volumes in-fólio.
Nesta obra está reunido quase todo o seu labor. índice: Volume I: Tratados médico, patológico e terapêutico ocultos. Mistérios magnéticos. Volume II:Obras mágicas, filosóficas, cabalísticas, astrológicas e alquímicas. Volume III: Anatomia e cirurgia propriamente ditas.
Arcanum Arcanorum seu Magisterium Philosophorum. Lcipzig, 1 686. Um volume in-8.°.
Também esta obra é interessantíssima, por tratar extensamente das Ciências Ocultas. Foi reeditada em Frankfurt, em 1 770.
Disputationum de Medicina Nova Philippi Paracelsi. Pars prin in qua quias de remediis superstitionis et magicis curationibus ille prodidit, proecipue examinantur a Thoma Erasto, medicina schola Heydelbergenti professore ad ilustris, principium. Liber omnibus quarumcunq; artium et scientiarum studiosis opprime cum necessarius tum utilis. Basileae apud Petrum Perna, sem ano (1536). Um volume in 4.o.
Além de seu alto valor científico, esta obra desperta um interesse muito grande porque nela se encontra a luta travada com Tomás Erasto, o inimigo mais temível de Paracelso.
Limitamo-nos a citar apenas estas três obras em latim por julgarmos que com elas se pode formar um juízo perfeito do célebre médico, encarado sob todos os pontos de vista.
São muitíssimo mais numerosas as obras que publicou em latim e alemão. Também as suas traduções são numerosas.
O Manuel Bibliographique des sciences psichiques, de Alberto L. Caillet, cita mais de trinta títulos e se deve levar em conta que referida bibliografia data de 1913. Temos conhecimento de muitas reimpressões posteriores a dita data. Entre estas últimas citaremos a seguinte, por considerá-la muito interessante:
Paracelse (Théophraste): Les sept Livres de /’Archidoxe Magique, traduits pour Ia premiere fois en français, texte latin en regard. Paris, 1 929. Um volume in-4.o.
Contém numerosos segredos e talismãs preciosos contra a maior parte das doenças, para conseguir uma vida sem inquietudes; sobre a vida dupla, etc.
As obras de Paracelso, como todas as que tratavam de ciências ocultas — astrologia, magia, alquimia, etc. — contêm algumas frases obscuras que somente os iniciados conheciam em todo o seu valor. Os alquimistas velavam, principalmente, seus segredos por meio de símbolos e frases alegóricas, a que os leigos no assunto atribuíam as mais grotescas interpretações, quando os tomavam ao pé da letra. Iniciado que fora pelo abade Tritêmio, Paracelso adotou sua terminologia, acrescentando, por seu arbítrio, termos originários ora da índia ora do Egito.
No glossário de Paracelso vemos que o princípio da sabedoria se chama Adrop e Azane, que corresponde a uma tradução esotérica da pedra filosofal. Azoth é o princípio criador da Natureza ou a força vital espiritualizada. Cherio é a quintessência de um corpo, seja ele animal, vegetal ou mineral; é o seu quinto princípio ou potência. Derses é o sopro oculto da Terra que ativa seu desenvolvimento. Ilech Primum é a Força Primordial ou Causai. Magia é a sabedoria, é o emprego consciente das forças espirituais, que visa a obtenção de fenômenos visíveis ou tangíveis, reais ou ilusórios; é o uso benfeitor do poder da vontade, do amor e da imaginação; representa a força mais poderosa do espírito humano empregada em prol do bem. Magia não é bruxaria.
Poderíamos encher páginas e mais páginas, citando termos do glossário de Paracelso e dos alquimistas em geral, porém julgamos que são suficientes os que transcrevemos para dar uma idéia do caráter oculto de sua terminologia.
A chave, contudo, dessa linguagem misteriosa não se perdeu. Foi guardada zelosamente pelos cabalistas e transmitida oralmente entre os iniciados. Atualmente, os possuidores de dita chave são os chamados martinistas e os rosa-cruzenses.
Graças a ela, o sistema filosófico-religioso de Paracelso pôde ser recuperado em toda a sua integridade.
Observamos que ele estabeleceu uma divisão dos elementos a serem estudados nos corpos animais, vegetais ou minerais. Dividiu-os em Fogo, Ar, Água e Terra, conforme tinham procedido também os antigos. Estes elementos se acham presentes em todo corpo, seja ele organizado ou não, e separáveis uns dos outros. Para efetuar a separação eram indispensáveis os laboratórios com material adequado. O fornilho era insuficiente; carecia-se de um fogo capaz de tornar vermelho vivo o crisol para aumentar constantemente o calor quando se tornasse necessário. Necessitava-se de uma contínua provisão de água, de areia, de limalhas de ferro a fim de aquecer gradativamente os fomilhos. Nos armários e mesas dos laboratórios havia balanças perfeitamente aferidas e niveladas, almofarizes, alambiques, retortas, cadinhos- esmaltados, vasos graduados, grande quantidade de vasilhas de cristal, etc. além de um alambique especial para realizar as destilações.
Com um laboratório bem equipado, o alquimista capaz de aplicar-se rigorosamente, exercido na minuciosa observação das regras alquímicas, está em condições de verificar as diferentes operações indispensáveis para analisar as substâncias escolhidas e extrair delas a quintessência ou o Arcana, isto é, as propriedades intrínsecas dos minerais e vegetais.
As vezes infinitesimal em quantidade até nos grandes corpos, a quintessência afeta, contudo, a massa em todas as suas partes, da mesma forma que uma única gota de bílis produz o mau. humor ou uns centigramas de açafrão são suficientes para colorir uma grande quantidade de água.
Os metais, as pedras e suas variedades trazem em si mesmos a sua quintessência, o mesmo que os corpos orgânicos e, embora sejam considerados sem vida, possuem essências de corpos que viveram.
Estamos aqui diante duma notável afirmação, que Paracelso sustenta com sua teoria de transmutação dos metais em substâncias diversas, teoria que também os ocultistas modernos defendem.
Que clarividência possuía este homem a respeito do reino mineral! Ninguém poderá negar a Paracelso o título verdadeiro de sábio, pois ele, com suas investigações sutis, soube arrancar os mais recônditos segredos da Natureza, que hoje em dia, sem dúvida, a ciência explica melhor, graças a descobrimentos de observadores que dispõem de maiores meios científicos, como demonstraram Madame Curie e seus colaboradores. Quando examinamos o novo sistema de filosofia natural desenvolvido por Paracelso, não devemos esquecer que já transcorreram quatro séculos desde o seu aparecimento. Na realidade, foi ele quem concebeu ditas investigações, inspirando com elas os grandes luminares de sua época e das gerações que se seguiram.
Suas análises eram efetuadas por meio de diferentes processos: pelo fogo, pelo vitríolo, pelo vinagre e pela desti-laçâo lenta; suas investigações principais ocuparam-se das propriedades curativas dos metais, antecipando-se ao que hoje chamamos de metaloterapia; contou com a colaboração do famoso bispo Erhard de Lavanthall, o qual incluiu no número dos seus mestres. O bismuto foi uma das substân-cias que analisou com preferência, classificando-o de semi-metal; e foi certamente em virtude de dita substância, que previu a existência das propriedades ativas dos minerais, que surgiram os processos da transmutação. Descobriu igualmente o reino, que classificou também de semimetal, constituindo-se numa das numerosas contribuições que trou-xe à farmácia.
Entre estas contribuições temos preparações de ferro, de antimônio, de mercúrio e de chumbo. O enxofre e o ácido sulfúrico foram objeto de interesse e práticas especiais, representando para o seu espírito uma substância fundamental, de vez que materializava a volatilidade. Realizou investigações sobre amálgamas com o mercúrio e com o cobre, sobre o alúmen e seus usos e sobre os gases produzidos pela solução e pela calcinação. Considerava como indestrutível e secreta parte de uma substância aquilo que permanecia em estado de cinza, devido à calcinação: seu sal, incorruptível. É o ca sal sidérico dos alquimistas.
Estas investigações culminaram em sua Teoria das Três Substâncias, bases necessárias a todos os corpos, a que ele chamou de enxofre, mercúrio, sal, em sua linguagem cifrada.
O enxofre significa o fogo; o mercúrio, a água; o sal, a terra. Ou, de outra maneira: a volatilidade, a fluidez, a solidez. Omitiu o ar por considerá-lo produto do fogo e da áua. Todos os corpos, orgânicos ou minerais: homem ou metal:ferro, diamante ou planta constituíam, segundo ele, combinações variadas desses elementos fundamentais. Seu ensinamento sobre a base e as qualidades da matéria se cinge a essa Teoria dos Três Princípios, que considerava como premissas de toda atividade os limites de toda análise e a parte constitutiva de todos os corpos. São eles a alma, o corpo e o espírito de toda matéria, que é única. A potência criadora da Natureza, que ele denominou Archeus, proporciona à matéria uma infinidade de formas, contendo cada uma delas seu álcool, ou seja sua alma animal e, por seu turno, seu Ares, ou seja seu caráter específico. Além disso, o homem possui o Afuech, ou seja a parte puramente espiritual.
Esta força criadora da Natureza é um espírito invisível e sublime: é como um artista e artesão que se compraz, variando os tipos e reproduzindo-os. Paracelso adotou os termos Macrocosmo e Microcosmo para expressar o grande mundo (Universo) e o pequeno mundo (o Homem), os quais considera reflexo um do outro.
Além das investigações supracitadas, descobriu o cloreto, o ópio, o sulfato de mercúrio, o calomelano e a flor de enxofre. Em fins do século passado receitava-se ainda às crianças um laxante composto de xarope de morangueiro e uns pós cinzentos, constituindo remédio excelente devido à terapêutica de Paracelso; da mesma forma que o ungüen-to de zinco, que nunca deixou de ser receitado, tem. sua origem no laboratório paracelsiano. De igual modo, foi ele o primeiro a utilizar o mercúrio e, para certas doenças de-pauperantes, o láudano.
Paracelso escrevia com uma clareza meridiana. Somente em seus escritos sobre alquimia se acham certas frases enigmáticas, como acontece com todos os demais autores que tratam de dita matéria. Em seu estilo não se vê nenhuma complicação, nada daquela verbosidade empolada e torturada própria da Renascença. Sua frase é contundente e expressa-se como homem convencido de que conhece a fundo o assunto de que trata. Em algumas de suas obras deparamos com a breve e fecunda expressão de um clarivi-dente e seus pensamentos aparecem revestidos de uma linguagem que os coloca à altura dos aforismos que perduram através dos séculos.
"A Fé — diz ele — é uma estrela luminosa que guia o investigador através dos segredos da Natureza. É preciso que busqueis vosso ponto de apoio em Deus e que coloqueis a vossa confiança num credo divino, forte e puro; aproximai-vos Dele de todo o coração, cheios de amor e desinteressadamente. Se possuirdes esta fé, Deus não vos esconderá a verdade, mas, pelo contrário, vos revelará suas obras de maneira visível e consoladora. A fé nas coisas da terra deve sustentar-se por meio das Sagradas Escrituras e pelo Verbo de Cristo, única maneira de repousar sobre uma base firme."
Em nenhum outro dos seus escritos se observa a precisão de estilo que predomina em sua tese sobre os "Três Princípios", suas formas e seus efeitos. Um pequeno excerto pode dar uma idéia mais aproximada de sua concepção do que muitas páginas descritivas.
O livro foi editado em Basiléia, em 1 563, por Adam do Bodenstein, o qual em seu prólogo diz que Paracelso fora indignamente caluniado e que muitos médicos que lhe denegriam o nome se haviam aproveitado de suas descobri ias e roubaram-lhe muitas de suas idéias.
Neste pequeno volume, Paracelso começa com uma exposição de sua teoria dos Três Princípios; sustenta que Cada substância ou matéria em crescimento é constituída de Sal, Enxofre e Mercúrio; a força vital consiste na união dos três princípios; existe, portanto, uma ação tríplice, Sempre atuante para cada corpo: a ação da purificação por meio do sal, a da dissolução ou consumação pelo enxofre e a da eliminação pelo mercúrio.
O sal é um alcalino; o enxofre, um azeite; o mercúrio, um licor (a água), mas cada uma das matérias possui sua ação separadamente das outras. Nas doenças de certa complicação, as curas mistas são indispensáveis.
Deve-se ter o maior cuidado no exame de cada doença: identificar se é simples, de duas espécies ou tríplice; se é oriunda do sal, do enxofre ou do mercúrio e que quantidade contém de cada elemento ou de todos; qual a sua relação com a parte adjacente do corpo, a fim de saber se convém extrair dela o álcali, o azeite ou o licor; em resumo, o médico deve procurar não confundir duas doenças.
"A. Virtude — acrescenta Paracelso — é a quarta coluna do templo da Medicina e não há de fingir; significa o poder que resulta do fato de ser um homem na verdadeira acepção da palavra e de possuir não somente as teorias relativas ao tratamento da doença, mas igualmente o poder de curá-las".
Da mesma forma que o verdadeiro sacerdote, o verdadeiro médico é ordenado por Deus. Com respeito a isto assim se expressa Paracelso:
"Aquele que pode curar doenças é médico. Nem os imperadores, nem os papas, nem os colegas, nem as escolas superiores podem criar médicos. Podem outorgar privilégios e fazer com que uma pessoa, que não é médico, aparentemente o seja; podem conceder-lhe licença para matar, mas não podem dar-lhe o poder de curar; não podem fazer dessa pessoa um médico verdadeiro, se já não foi ordenada por Deus .
"O verdadeiro médico não se jactanciade sua habilidade nem elogia suas medicinas, nem procura monopolizar o direito de explorar o enfermo, pois sabe que é a obra que há de louvar o mestre e não o mestre a obra.
"Há um conhecimento que deriva do homem e outro que deriva de Deus por meio da luz da Natureza. Quem não nasceu para ser médico, nunca o será. O médico deve ser leal e caritativo. O egoísta muito pouco fará em favor dos seus enfermos. É muito útil a um médico conhecer as experiências dos demais, mas toda ciência de um livro não é suficiente para tornar um médico, a menos que seja por natureza. Somente Deus dá a sabedoria médica".
No capítulo II descreve as três maneiras como o sal limpa e purga o corpo diariamente pela vontade do Archeus ou a força vivificante, inerente a cada órgão. No mundo dos elementos há várias espécies de álcalis, como a cássia, que é doce; o sal-gema, que é acre; o acetado de estanho, que é azedo; a colocíntida, que é amarga. Determinados álcalis são naturais enquanto que outros são extratos; e outros ainda se acham coagulados e atuam, por expulsão ou por transpiração ou por outros meios.
No capítulo III há uma explicação da ação do enxofre corporal. Assim fala ele: "Cada doença resultante do supérfluo no corpo, tem seu antídoto na mistura elemental; de sorte que com a genera das plantas e dos minerais se pode descobrir a origem da doença; uma descobre o outro. O mercúrio absorve o que o sal e o enxofre repelem. É o que sucede com as doenças das artérias, dos ligamentos, das articulações e das juntas. Nestes casos o mercúrio fluido deve ser ministrado com fórmula especial que melhor corresponda à forma da indisposição. O essencial da doença reclama o essencial que a Natureza indica como remédio.
"É preferível — diz ele — denominar a lepra doença de ouro, já que com o nome indicamos, em si, o remédio. É igualmente melhor chamar a epilepsia a doença do vitríolo, toda vez em que é curada com o vitríolo.
"Na verdade, meus predecessores não me esclareceram muito na arte de curar. Esta arte se esconde misteriosamente nos arcanos da Natureza. Por isso me esforço por aprofundá-la e todas as minhas teorias pretendem provar a força vivificante do Archeus".
No capítulo V trata das doenças encarnativas e de sua origem.
"Estas doenças — escreve Paracelso — derivam todas do mercúrio. As feridas e úlceras, o câncer, as erisipelas só podem ser curadas pelas várias forças mercuriais dos minerais e das plantas. Cada médico deve esforçar-se por encontrá-las, descobri-las por si mesmo, a fim de que saiba que quantidade de matéria mercurial encerram e possa prepará-las. Ditas forças encontrá-las-á no grau de calor apropriado, com o fim de extrair a essência da massa.
"Podereis intitular-vos doutores quando souberdes manejar cada substância para tirar dela o remédio adequado. A prática é indispensável; as teorias não bastam."
No capítulo VI trata da destilação dos bálsamos compostos de substâncias absorventes e de percussivos sulfúricos e dá a conhecer uma infinidade de fórmulas, todas elas devidas à sua experiência.
Com o capítulo VII termina o livro, fazendo uma longa dissertação sobre o Archeus, o "coração dos elementos", de força criadora e vivificante.
"Devido a esta força, de uma pequena semente nasce a árvore. O poder dos elementos faz com que a planta viva e se desenvolva. Por esta mesma energia os animais nutrem-se e crescem. Esta força reside, também, no corpo humano: cada órgão possui sua energia própria, que o fortifica e renova; se assim não fosse, pereceria. Por isso, a força do Archeus representa, em cada um dos membros do corpo humano; a força criadora e vivificante do Macrocosmo e do Microcosmo.
PARACELSO, MÍSTICO
Sem dúvida, Paracelso foi um místico. Sua filosofia espiritual foi filha de seu precoce conhecimento do neoplatonismo; tinha como base a união com Deus. Mediante esta união o espírito do homem procurava vencer as más influências, descobrir os arcanos da Natureza, conhecer o bem, discernir o mal e viver sempre dentro da fortaleza divina.
Paracelso. soube identificar a mão de Deus em toda a Natureza: nas entranhas das montanhas, onde os metais esperam a sua vontade; na abóbada celeste, onde "por meio Dele se movem o sol e as estrelas"; nas ribeiras, onde sua liberalidade derrama toda sorte de alimentos e a bebida para o homem; nos verdes prados e nos bosques, onde crescem miríades de ervas e de frutos benfazejos; nas fontes que proporcionam suas propriedades curativas. Enfim, viu que a terra era a grande obra de Deus e que era preciosa a seus olhos.
Paracelso era uma inteligência forte e clara. Era bom e lambem sábio. Sua vida errante jamais o despojou dessa bondade que constantemente fez resplandecer os generosos impulsos de sua alma. Sentia como um artista e pensava como um filósofo; por isso soube irmanar as leis da Natureza com as da alma. Esta sensibilidade artística que nunca o abandonava constituiu a ponte entre Paracelso homem e observador visionário da Realidade, ponte maravilhosa que repousava sobre as travessas de uma nova humanidade: a Renascença. E sobre esta ponte audaz procedeu à construção do Universo, do qual Paracelso foi um de seus maiores arquitetos; pois, outra coisa não foi a declaração dos princípios do progresso espiritual, completada um pouco mais tarde por Giordano Bruno, poeta, filósofo, artista e investigador da Natureza.
Como as ondas do mar, o sentimento da Natureza se estendeu de Paracelso até os homens do futuro, entre os quais C.omenius e Van Helmont. Estes compreenderam, igualmente, a consagração das investigações e a alegria inefável de descobrir as Leis Divinas. Paracelso possuía essa propriedade que ainda hoje admiramos nos místicos clássicos. Via a Deus tanto na Natureza como no microcosmo e, pela meditação, foi tocado pela graça divina. Suas conclusões filosóficas formam a moral de um humanismo cristão. A confraternidade íntima dos filhos de Deus deve nascer de uma humanidade bem ordenada, do saber humano e do inapreciável valor da alma, em cada um dos seus membros.
Este Universo de formas e forças infinitas e, em sua unidade e em sua interdependência, a revelação das leis de Deus; a Natureza constitui o esteio e o verdadeiro amigo dos enfermos. E esta Natureza se acha em todas as parles: na terra, onde o semeador opera seus milagres, ao confiar-lhe a semente; nas montanhas, onde morrem as árvores velhas para dar lugar às que nascem; nas florestas murmurantes; nas sebes; nos lagos, onde o sol brinca com a água; em todos os lugares está viva e eterna a mãe Natureza.
Paracelso emoldurou a Natureza com vistosas imagens, comparações acertadas, engenhosas alegorias e parábolas de sentido profundo. Numa linguagem rica e substanciosa, apresenta-nos o curso das estações, sua proximidade e seu fim. Pinta-nos a primavera, quanto os novos ritmos se balançam álacres pelo ar; o verão, quando a jovem vida caminha rumo à colheita e o tempo revela os frutos sazonados; o outono, quando o trabalho chega ao seu fim e a vida enlan-güesce; e, finalmente, descreve-nos o inverno, fazendo-nos sentir a doce visão de uma morte suave e tranqüila.
Como bom cristão, seguiu os ensinamentos de Jesus. "O que Deus quer são nossos corações — diz no Tratado das Doenças Invisíveis — e não as cerimônias, já que com elas a fé Nele perece. Se queremos buscar a Deus, devemos buscá-lo dentro de nós mesmos, pois fora de nós jamais o encontraremos". Toma como ponte de apoio a Vida e a Doutrina de Nosso Senhor, porque nela está a única base de nossa crença:
"Ali está ela, na Vida Eterna, descrita pelos Evangelhos e nas Escrituras, onde encontramos tudo o de que necessitamos, tudo em absoluto.
"Só em Cristo há estado de graça espiritual e por nossa fé sincera seremos salvos. Basta-nos a fé em Deus e em seu único Filho. O que nos salva é a infinita misericórdia de Deus, que perdoa nossos erros. O Amor e a Fé são uma mesma coisa: o amor deriva da fé e o verdadeiro cristianismo se revela no amor e nas obras do amor."
Acreditava que a perfeição da vida espiritual fora designada por Deus para todos os homens e não apenas para alguns anacoretas, monges e religiosos que não dispunham de nenhum mandato especial do Senhor para tomar sobre si a exclusividade de uma santidade a que muito poucos podem chegar.
"O reino de Deus — acrescenta Paracelso — contém uma revelação íntima com nossa vida de fé e de amor, uma infinidade de mistérios que a alma penetrante vai descobrindo um por um. São os mistérios da providência de Deus, que todo aquele que investigar acabará encontrando; são os mistérios da união com Deus; é o tabernáculo secreto, cujas portas se abrirão para todo aquele que clame. E os homens que sabem perscrutar e chamar são os profetas e os benfeitores de seu reinado. A eles são entregues as chaves que hão de abrir os tesouros da terra e dos céus. E eles serão os pastores, os apóstolos do mundo."
Mais adiante fala da medicina, nos seguintes termos:
"A Medicina se fundamenta na Natureza, a Natureza é a Medicina, e somente naquela devem os homens buscá-la. A Natureza é o mestre do médico, já que ela é mais antiga do que ele, e ela existe dentro e fora do homem. Abençoado, pois, aquele que lê os livros do Senhor e que anda pela senda que lhe foi indicada por Ele. Estes são os homens fiéis, sinceros, perfeitos em sua profissão; andam firmes debaixo da plena luz do dia da ciência e não pelos abismos obscuros do erro… Porque os mistérios de Deus rta Natureza são infinitos; Ele trabalha onde quer, como quer, quando quer. Por isso devemos investigar, chamar, interrogar. E a pergunta brota: Que categoria de homem deve ser aquele que procura, chama e interroga? Quão verdadeira deve ser a sinceridade de tal homem! Quão verdadeira a sua fé, sua pureza, sua castidade, sua misericórdia!
"Nenhum médico pode afirmar que uma doença é incurável. Se isto afirmar, está renegando a Deus, renegando a Natureza, desaprecia o Grande Arcano da Criação. Não existe nenhuma doença, por mais terrível que seja, para a qual Deus não tenha previsto a correspondente cura."
Conforme vimos, Paracelso era um místico e um cabalista perfeito, dentro do mais puro espírito cristão. Aceitou, contudo, muitas das crenças tão em voga em sua época referentes aos poderes ocultos e às forças invisíveis.
Acreditava, igualmente, na existência real dos dementais, isto é, nos espíritos do fogo, aos quais dava o nome de acthnici; nos do ar, que chamava de melosinae; nos da água, que chamava de nenufdreni; e nos da terra, que denominava de pigmaci. Além disto admitia a realidade das dríadas, a que atribuía o nome de durdales, e dos espíritos familiares (os deuses penates dos romanos), que alcunhava de flagae. Afirmou também a existência do corpo astral do homem, que chamava de aventrum, e do corpo astral das plantas, a que deu o nome de leffas.
Do mesmo modo, tratou profundamente da levitação, que por ele foi chamada de mangonaria, e muito especialmente da clarividência, que denominava de necromancia. Acreditava nos duendes, nos fantasmas e nos presságios. Este último particular tem prejudicado sobremodo a fama de Paracelso, mas, quem sabe se dentro de um futuro não muito distante não servirá para admirá-lo como um visionário que se antecipou às afirmações feitas pelos modernos metapsiquistas comprovadas por esses investigadores do Mais-Além.
Seu Arquidoxo Mágico, livro sobre amuletos e talismãs, é também muito interessante, de vez que nele expõe seu conhecimento da imensa força do magnetismo. Combinou metais debaixo de determinadas influências planetárias, com o objetivo de fabricar talismãs contra certas doenças, sendo que o mais eficaz deles é aquele que chama de Magneticum Magicum. Este talismã se compõe de sete metais (ouro, prata, cobre, ferro, estanho, chumbo e mercúrio) e nele estão gravados signos celestes e caracteres cabalísticos.
Entendia, também, que as pedras preciosas possuíam propriedades ocultas para curar determinadas doenças. Os anéis e medalhas em que se montavam ditas pedras levaram o nome de gamathei. Cada um desses dixes possuía virtudes especiais. Uma de suas pedras preferidas era a chamada bezoar, que não é oriunda nem das montanhas nem das minas, mas que se forma, no estômago de certos animais herbívoros, por crescimentos justapostos e concêntricos de fosfatos de cálcio, que o estômago não conseguiu expulsar.
Suas opiniões a respeito das pedras preciosas foram adotadas pelos membros da Rosa-Cruz, que elaboraram as interpretações físicas e espirituais dos poderes misteriosos do diamante, da safira, da ametista, do topázio, da esmeralda e da opala.
MORTE DE PARACELSO
Muitas lendas foram inventadas em torno de sua morte. Uns diziam que os médicos de Salzburgo haviam contratado um rufião para que lhe seguisse os passos por toda parte, durante a noite, com a finalidade de jogá-lo num abismo; outros nos contam que lhe deram de beber vinho envenenado; porém, graças ao testemunho do Dr. Aberle, podemos hoje descartar essas vis suposições.
O certo é que adoeceu e que seu mal ia progredindo dia a dia, como progrediu paralelamente sua fortaleza de espírito ante o fim próximo.
Pouco antes de morrer ocupava-se ainda em escrever suas meditações sobre a vida espiritual. Um dos últimos fragmentos, que não conseguiu terminar, levava o seguinte título: "Referente à Santíssima Trindade, escrito em Salzburgo, durante a véspera da Natividade de Nossa Senhora". Este fragmento foi publicado por Toxites, em 1 570. Junto com o original havia várias passagens selecionadas e comentadas da Bíblia, escritas em folhas volantes.
Os rápidos progressos da doença supreenderam-no em tão pacífica ocupação. A morte se introduzia silenciosa e furtivamente para extinguir a chama de seu espírito. Reconheceu a pálida mão que a intrusa lhe estendia e voltou-se para ela de maneira doce e sossegada.
Todavia, faltava-lhe realizar o último trabalho. Dispunha de alguns bens: seus livros, suas roupas, suas drogas, suas ervas; e era preciso distribuir tudo isso com eqüidade, mas via-se impossibilitado de fazê-lo legalmente em seu laboratório de Plaetzl. Alugou então um aposento na Pousada do Cavalo Branco, na Kaygasse, bastante espaçoso para quarto de um doente e ao mesmo tempo de despacho de seus negócios. Mudou-se para lá no dia 21 de setembro, vigília de São Mateus. O escrivão público Hans Kalbsohr e seis testemunhas se reuniram em torno do seu leito para ouvir e atestar suas derradeiras vontades.
Paracelso estava sentado em seu leito. O primeiro artigo do seu testamento reza textualmente:
"O mui sábio e honorável Mestre Teofrasto de Hohenheim, doutor em Ciências e Medicina, débil de corpo, sentado em seu rústico leito de campanha, porém com espírito lúcido, probo de coração, entrega sua vida, sua morte, sua alma à salvaguarda e proteção do todo-poderoso.-Sua fé inquebrantável espera que o Eterno Misericordioso não permitirá que os amargos sofrimentos, o martírio e a morte de seu Filho Único, Nosso Senhor Jesus Cristo, sejam estéreis e impotentes para a salvação deste seu humilde servo".
Em seguida determinou as disposições concernentes ao seu enterro e escolheu a igreja de São Sebastião, que ficava além da ponte. Para ali teve que ser transportado o seu corpo; quis que lhe entoassem os salmos um, sete e trinta. Entre cada um dos referidos salmos se distribuiria dinheiro aos pobres que estivessem em frente à igreja.
A escolha dos salmos é algo significativo; constitui a confissão de sua fé e a convicção de que sua vida não tinha que morrer no esquecimento; antes, porém, que tinha que passar para a imortalidade.
Depois da solene cena descrita, viveu tão-só três dias. Sem dúvida, expirou na Pousada do Cavalo Branco. A morte não lhe causava horror. Segundo ele, a morte era "o fim de sua jornada trabalhosa e a colheita de Deus".
Seu falecimento se deu no dia 24 de setembro, dia de São Ruperto, festa muito celebrada em Salzburgo, que naquele ano calhou ser em dia de sábado. O Príncipe Arcebispo ordenou que os funerais do grande médico se celebrassem com toda pompa. A cidade se achava repleta de forasteiros, pessoas do campo e muitos estrangeiros.
Cinqüenta anos depois de sua morte, seu túmulo foi aberto; foram retirados os seus ossos para serem trasladados para outra sepultura melhor disposta, encravada numa das paredes da igreja de São Sebastião.
O executor testamentário de Paracelso, Miguel Setznagel, mandou colocar uma lápide de mármore vermelho sobre o túmulo, com uma inscrição comemorativa, que dizia o seguinte, em latim:
"Aqui jaz Felipe Teofrasto de Hohenheim. Famoso doutor em Medicina que curou toda espécie de feridas, a lepra, a gota, a hidropisia e várias outras doenças do corpo, com ciência maravilhosa. Morreu no dia 24 de setembro de 1 541."
Fonte: (www.mortesubita.org)